
Bastariam medidas de prevenção básicas, como a proibição pelo Poder Público de edificações nas margens dos rios e córregos, além de uma dragagem periódica.
A opinião é do especialista em geotécnica do Departamento de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Alberto Sayão. “Foi uma tragédia anunciada, um desastre previsto. Alguém tem que ser responsabilizado", disse Sayão, que citou a falta de fiscalização pelo Executivo, a leniência do Judiciário em julgar crimes ambientais e o populismo de integrantes do Legislativo, que buscam se promover em troca da facilitação da ocupação de áreas irregulares.
- Deixar construir às margens de rios é crime ambiental. O rio vai sempre reconquistar o seu espaço. É possível prever com exatidão as áreas de inundação - declarou o professor. Segundo ele, podem se passar muitos anos até que ocorra outra inundação, o que não significa que é seguro construir estruturas no local. Além de colocar em risco as famílias, o entulho das casas destruídas vai represar e assorear ainda mais o curso d´água, causando mais pressão rio abaixo, atingindo outras estruturas, principalmente pontes, como ocorreu em Xerém. Sayão ressaltou que a estrutura geológica da serra, em Xerém, é a mesma encontrada em outras formações geológicas no estado do Rio, com maciços rochosos cobertos por camadas finas de solo e vegetação, o que favorece deslizamentos.
- Os escorregamentos acontecem por causa de três fatores: camada fina de solo, forte inclinação e grande quantidade de chuva - disse o engenheiro. Segundo ele, outro fator que pode ter contribuído na tragédia de Xerém é a quantidade de lixo que deixou de ser recolhida nas últimas semanas pela gestão passada da prefeitura de Duque de Caxias e que acabou sendo carregada para dentro dos rios e riachos, ajudando a barrar o fluxo da água causando os transbordamentos.
Prefeito decreta estado de emergência no distrito
A Defesa Civil de Duque de Caxias liberou balanço das chuvas que atingiram o distrito de Xerém. O número de desabrigados chega a 400. Eles estão sendo assistidos em três abrigos – duas igrejas e uma escola municipal. Até o momento um homem não identificado - branco, calvo e de 50 anos presumíveis – morreu e oficialmente duas pessoas estão desaparecidas. Duzentas casas foram destruídas pela enxurrada, segundo a prefeitura.
O prefeito Alexandre Cardoso (PSB), decretou estado de emergência no distrito de Xerém. A região foi atingida por um temporal na madrugada desta quinta-feira (3), que causou a morte de uma pessoa e deixou centenas de desabrigados. Cardoso passou o dia em Xerém coordenando as operações de atendimento à população e de reconstrução do distrito. “Foi uma chuva anormal, que provocou o deslizamento de um morro e fez descer uma quantidade de árvores que fecharam uma ponte. Foram 212 milímetros de chuva, que levou a uma lâmina de água com 4 a 5 metros de altura. A força foi tanta, que uma geladeira foi parar em cima do telhado de uma casa", disse.
Segundo o prefeito, duas pontes foram atingidas pela enxurrada: uma foi destruída e outra parcialmente. Ele vai aproveitar a visita que o ministro da Integração, Fernando Bezerra, fará à região amanhã (4) para solicitar verbas emergenciais, a fim de reparar o quanto antes a infraestrutura atingida. Cardoso decidiu decretar estado de emergência com objetivo de agilizar as obras necessárias.
Ele fez um apelo aos moradores de Xerém e de outras comunidades de Duque de Caxias, para que evitem permanecer nas áreas de risco. “Nas próximas 72 horas, todo o morador de qualquer área de risco deve ir para a casa de um parente ou de um amigo, pois ainda temos previsão de chuva para hoje e amanhã", declarou. O prefeito montou um gabinete de crise em Xerém, para onde foram enviados 100 homens, 20 caminhões e dez tratores, a fim de desobstruir os rios e retirar a lama que cobre as ruas do distrito. A luz foi cortada em boa parte da cidade por causa da queda de postes e fiação.
Defesa Civil divulga novo balanço
De acordo com o balanço divulgado por volta das 19h desta quinta-feira (3) pela Defesa Civil Estadual, o número de desalojados e desabrigados em todo o estado em consequência das chuvas soma 3.760. O número abrange as cerca de 2.380 pessoas retiradas preventivamente de suas casas no município de Angra dos Reis, no litoral sul, onde há ainda 320 desalojados.
No distrito de Xerém, em Duque de Caxias, mil pessoas estão desalojadas e há um morto confirmado. Em Petrópolis, na região serrana, há 30 desalojados, e o mesmo número em Teresópolis. Em todo o estado, segundo a Defesa Civil, 14 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas.
Destruição, morte e centenas de desabrigados
A chuvarada que desabou sobre Xerémprovocou uma morte, levou muita destruição e deixou centenas de pessoas desabrigadas. O temporal começou por volta das 2h da madrugada desta quinta-feira (3) e fez os rios e córregos da região subirem rapidamente. Grande número de moradores deixou as casas praticamente só com a roupa do corpo. A força da correnteza arrastou casas inteiras, deixou carros empilhados e destruiu quatro pontes.
O motorista Severino Ribeiro Pinheiro conseguiu retirar um de seus veículos do pátio, mas viu os outros dois serem tragados pela força do córrego que passa atrás de sua casa. “Começou a chover forte de madrugada. Consegui salvar minha família, mas não deu para pegar nem os documentos", lamentou ele, em cima de um amontoado de cinco carros. O vizinho Silvio Mauro, que trabalha como ajudante de cozinha, só teve tempo de retirar a avó e as irmãs de casa, antes que o pacato riacho se transformasse em um rio caudaloso e invadisse tudo, levando todos os seus pertences. “Eu estava dormindo quando ouvi o pessoal bater no portão. Aí começou uma correria, não deu para salvar nada. É só prejuízo", comentou ele, enquanto procurava dentro da sala por alguma coisa que servisse do imóvel, que ficou com água até o teto.
O pintor automotivo Renato Ribeiro deu mais sorte, pois sua residência fica em local mais alto. Ele acordou de madrugada e ajudou a salvar dezenas de vizinhos, que não conseguiam sair das casas, por causa da força da água. “Ouvi um barulho muito forte, como se fosse uma avalanche, e depois o pessoal começou a gritar por socorro", relatou Ribeiro. O aposentado Virgílio Dias Pereira também perdeu tudo, exceto o automóvel, que conseguiu retirar antes de o rio invadir o imóvel. “Chamei minha esposa e corremos com os filhos e os netos para fora. Eu moro aqui faz 30 anos e nunca tinha visto nada igual", disse Pereira.
Parte dos desabrigados foi acolhida em igrejas da região. A pastora Esmeraldina Quaresma abriu as portas para oferecer abrigo, alimento e roupas secas aos vizinhos. “A igreja vai ficar com as portas abertas enquanto for preciso. É muito triste", lamentou ela. Entre os abrigados na igreja, estava o casal de aposentados Gilmar e Edna da Silva. Ela ficou ferida e conseguiu escapar por pouco, quando a parede de casa desabou prensando seu corpo.
A água também destruiu completamente a casa de Lucimar do Nascimento, que havia se mudado há pouco mais de três meses para um imóvel na margem do rio, sem saber que ali era uma área de risco. Enquanto ela e o marido limpavam a lama, tiveram uma surpresa: encontraram diversos peixes na sala, que foram recolhidos em uma bacia e agora vão servir de alimento para a família.